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quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA IRRECORRIBILIDADE DAS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS NA JUSTIÇA DO TRABALHO - Mariângela Guerreiro Milhoranza -

Mariângela Guerreiro Milhoranza Mestre em Direito pela PUC/RS
Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/RS
Professora da PUCRS
Advogada em Porto Alegre/RS.
Gabriela André Acadêmica em Direito da PUCRS.


SUMÁRIO: 1- Introdução ; 2- A Lei N. 11187/2005 e as Alterações Ao CPC ; 3- A (In) Constitucionalidade Irrecorribilidade das Decisões Interlocutórias ; 4- Conclusão .

1. Introdução
Ao proferir uma decisão interlocutória, o juiz pode causar prejuízo a uma das partes da relação processual. A parte prejudicada pode não se conformar com a decisão, decidindo por recorrer da mesma. O Código de Processo Civil apresenta o recurso de agravo como cabível para se recorrer dessas decisões. Ao interpor o recurso de agravo, a parte encontrará respaldo no princípio do duplo grau de jurisdição. Este princípio encontra-se implícito na Constituição Federal, independente de não estar expresso, deve ser respeitado. O legislador está, no entanto, habilitado a limitar o direito de recorrer, sem, é claro ferir a garantia de acesso à justiça, garantido expressamente na Constituição. Complementando este raciocínio, dizem Wagner D. Giglio e Cláudia Corrêa que a função dos recursos é a de possibilitar a revisão das decisões pelos Tribunais, e a essa função, dá-se o nome de princípio do duplo grau de jurisdição.3
GIGLIO, Wagner D; CORRÊA, Cláudia Giglio Veltri. Direito Processual do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 438.
A recorribilidade das decisões interlocutórias não ocorre no direito processual do trabalho. Conforme o entendimento trabalhista, sendo recorrível qualquer dessas decisões, a tramitação do processo seria mais lenta, vale dizer, a tramitação seria mais demorada. Sobre a irrecorribilidade das decisões, Manoel Antônio Teixeira Filho anota que
O veto legal à interposição de recursos das decisões interlocutórias decorreu da preocupação de evitar que a parte (mal-intencionada) se valesse desses remédios processuais para delongar a formação da coisa julgada, ou, quando, menos, retardar a solução do conflito de interesses. 4
TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio . Sistema dos Recursos Trabalhistas. São Paulo: LTr, 1997, p. 295.

Neste ensaio, iremos examinar a (in) constitucionalidade do Princípio da Irrecorribilidade das Decisões Interlocutórias na Justiça Laboral.
2 - A Lei n. 11187/2005 e as alterações ao CPC
A Lei n. º 11.187/2005 alterou os artigos 522, 523 e 527 do Código de Processo Civil com o fito de disciplinar o cabimento do agravo retido e do agravo de instrumento, revogando, ainda, o § 4º do artigo 523. Consoante a novel redação do artigo 522, o recurso de agravo deve ser interposto, de regra, na forma retida. Das decisões interlocutórias cabe de regra, agravo retido; por exceção, o de instrumento.5
Nesse sentido: AZEM, Guilherme Beux Nassif. A nova disciplina do agravo - Lei n.º 11.187/05. In Revista da AGU n.º 8, 2006, p.73; WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves Comentários à nova sistemática processual civil - 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 248.
6
Segundo Athos Carneiro, “Na preocupação de restringir o uso do agravo de instrumento, o legislador perdeu a oportunidade de sanar omissão já existente na lei antiga, pois nada disse quanto a outros casos em que o recurso deve ser processado por instrumento”. CARNEIRO, Athos Gusmão. Do recurso de agravo ante a Lei n.º 11.187/2005. In Revista Jurídica n.º 339, janeiro 2006, p. 19.
7
Para Elaine Harzheim Macedo, houve uma “inversão de ordem preferencial, colocando o agravo retido como regra e o agravo de instrumento como exceção (...)”. MACEDO, Elaine Harzheim. Cláusula de lesão grave e de difícil reparação no agravo de instrumento. Revista da Ajuris n.º 101, março 2006, p. 109.
Então, de agora em diante, salvo nova modificação legislativa, cabe agravo de instrumento em duas distintas hipóteses:
a) da decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação;
b) da decisão que não recebe apelação ou que lhe outorga ou nega efeito suspensivo.
Na primeira hipótese, o recorrente precisa alegar que a mantença da decisão recorrida pode vir lhe causar lesão grave e de difícil reparação. Vale dizer: basta a potencialidade do dano, pois não se exige a comprovação de dano efetivo e, nesse caso, a conversão do agravo de instrumento em agravo retido afronta o artigo 5º. XXXV da Constituição Federal (a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito), por diferir o reexame da decisão para momento posterior à consumação do dano. Guilherme Beux Nassif Azem8
AZEM, Guilherme Beux Nassif. A nova disciplina do agravo - Lei n.º 11.187/05. Revista da AGU, n.º 8, 2006, p.73.
, ao tratar do tema, revela que “Afigura-se contrário à ordem constitucional tolher da parte interessada meio processual adequado, para de forma tempestiva, ver apreciada alegação de lesão ou ameaça a direito”. Eduardo Arruda Alvim e Angélica Arruda Alvim9
ARRUDA ALVIM, Eduardo; ARRUDA ALVIM, Angélica. As reformas e o sistema recursal. In ARRUDA ALVIM, Eduardo; ARRUDA ALVIM, José Manoel de. (Coord.) Atualidades do Processo Civil. Curitiba: Juruá: 2007, p. 323.
, fazendo coro com Flávio Cheim Jorge10
JORGE, Flávio Cheim. A nova disciplina de cabimento do recurso de agravo. In JORGE, Flávio Cheim; DIDIER JUNIOR, Fredie; RODRIGUES, Marcelo Abelha (Coord.). A terceira etapa da reforma processual civil. São Paulo: Saraiva, 2006, pp. 230-231.
, entendem que as exceções do artigo 522 são de “cunho expletivo, pois já decorrem do sistema, e, ademais, não são previstas de modo exaustivo”.11
ARRUDA ALVIM, Eduardo; ARRUDA ALVIM, Angélica. As reformas e o sistema recursal. In ARRUDA ALVIM, Eduardo; ARRUDA ALVIM, José Manoel de. Atualidades do Processo Civil. Curitiba: Juruá: 2007, p. 323.

Relativamente à segunda hipótese de cabimento do agravo, qual seja, da decisão que não recebe apelação ou que lhe outorga ou nega efeito suspensivo, afere-se que a mesma “é lógica” conforme observa Guilherme Azem12
AZEM, Guilherme Beux Nassif. A nova disciplina do agravo - Lei n.º 11.187/05. In Revista da AGU, n.º 8, 2006, p.74.

Como se sabe, na modalidade de agravo retido, o agravante requererá que o tribunal dele conheça, preliminarmente, por ocasião do julgamento da apelação (art. 523). Ora, não sendo a apelação admitida, afastada estaria a possibilidade de requerer a apreciação do agravo retido, somente subsistindo interesse recursal na modalidade de instrumento. Já em relação aos efeitos em que recebida a apelação, presume-se o dano ao agravante, pelo que se justifica a opção pela formação do instrumento. O agravo retido não daria, nesses casos, uma resposta imediata, como a exigida no caso.
De igual forma, deve-se admitir o agravo de instrumento naqueles casos em que seja cristalinamente inócua a interposição de agravo retido, por exemplo, deve admitir-se a interposição de agravo de instrumento da decisão que não recebe a impugnação do devedor. No que tange ao prazo, o agravo de instrumento deverá ser interposto no prazo de dez dias, excetuada a hipótese em que ocorra uma decisão interlocutória proferida em audiência.13
TESHEINER, José Maria Rosa. et al. Nova Sistemática Processual Civil. 2. ed. Caxias do Sul: Plenum, 2006, p. 226.

No que toca à nova redação do artigo 523 do Código de Processo Civil, cabe agravo retido das decisões interlocutórias proferidas na audiência de instrução e julgamento, devendo ser interposto oral e imediatamente, ou seja, tão logo seja proferida a decisão; sendo que tal decisão e a interposição do agravo devem, obrigatoriamente, constar do termo da audiência. Já as contra-razões ao agravo retido deverão ser interpostas no prazo de dez dias14
Em sentido contrário: Tesheiner et al. In TESHEINER, José Maria Rosa. Et al. Nova Sistemática Processual Civil. 2. ed. Caxias do Sul: Plenum, 2006, p. 229.
e não imediatamente à interposição das razões do apelado, conforme determina o § 2º do artigo 523.
O agravo retido pressupõe a existência de uma sentença posterior e apelável. Assim, tornou-se obrigatório que o agravante, na apelação ou nas contra-razões de apelação, requeira, expressamente, que o tribunal conheça do agravo retido antes de julgar a apelação. Todavia, em que pese não haver previsão legal de contra-razões, a resposta ao agravo retido, interposto na audiência de instrução e julgamento, poderá tanto ser oral e imediata à sua interposição ou, ainda, poderá ser apresentada apenas quando reiterado o recurso, nas razões ou contra-razões da apelação. A lei faz referência tão só às decisões interlocutórias proferidas em audiência de instrução e julgamento. As proferidas em outras audiências regem-se pelo artigo 522, I, cabendo agravo de instrumento ou retido conforme sejam ou não suscetíveis de causar à parte lesão grave e de difícil reparação. Destarte, prevalece a interpretação de que é cabível a interposição de agravo retido nas demais formas de audiência, não apenas por se tratar de garantia constitucional da ampla defesa, mas, também, pela omissão legislativa, no tópico em questão. "Imaginemos", diz Guilherme Azem, "apenas para ilustrar, o indeferimento da contradita em audiência (art. 414, § 1). O fato de a audiência não ser de instrução e julgamento não constituiria razão suficiente para afastar a sua recorribilidade. Nas audiências de justificação (artigos 928 e 929), caso o juiz defira a reintegração, certo é que caberá agravo - e na forma de instrumento".15
AZEM, Guilherme Beux Nassif. A nova disciplina do agravo - Lei n.º 11.187/05. In Revista da AGU, n.º 8, 2006, p.74.

3 - A (In) Constitucionalidade Irrecorribilidade das Decisões Interlocutórias
No Direito Processual do Trabalho, impera o Princípio da Irrecorribilidade das Decisões Interlocutórias. As decisões interlocutórias que permitem recurso estão descritas na Súmula 214 do TST que declara que: “na Justiça do Trabalho, as decisões interlocutórias somente ensejam recurso imediato quando suscetíveis de impugnação mediante recurso para o mesmo Tribunal ou na hipótese de acolhimento de exceção de incompetência, com remessa dos autos para Tribunal Regional distinto daquele a que se vincula o juízo excepcionado, consoante disposto no art. 799, § 2º, da CLT”. Sobre o Enunciado do Tribunal Superior do Trabalho, se manifestou Sergio Pinto Martins
Aliás, as decisões interlocutórias são irrecorríveis, admitindo-se a apreciação dessas decisões apenas no recurso de decisão definitiva (art.893, 1§, CLT). Mesmo das decisões de exceção de suspeição ou de incompetência, não caberá recurso, apenas da decisão definitiva, salvo em se tratando de decisão que venha terminar o feito na Justiça do Trabalho, como a do juiz que se julga incompetente em razão da matéria, em que caberá recurso, porque aí se considera definitiva a decisão (§ 2º do art. 799, da CLT). 16
MARTINS, Sergio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 29. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 384.

O cabimento do recurso de agravo é regulado pelo art. 897 da CLT, bem como pelo inciso II da Instrução Normativa nº. 6/96 do Tribunal Superior do Trabalho. Dispõe o art. 897 da CLT que
Cabe agravo, no prazo de 8 (oito) dias:
a) de petição, das decisões do Juiz ou Presidente, nas execuções;
b) de instrumento, dos despachos que denegarem a interposição de recursos.
O agravo de petição é cabível contra qualquer decisão na execução. Ressaltando, é especifico a execução, não sendo cabível na fase de conhecimento. Já o agravo de instrumento, cujo procedimento na Justiça do Trabalho obedece a Instrução Normativa nº. 6/96 do Tribunal Superior do Trabalho é o recurso adequado para impugnar os despachos que negam seguimento de outro recurso. Serve para destrancar recurso do qual foi negado seguimento. O referido recurso cabe nas Varas do Trabalho para fazer subir o recurso ordinário ou o agravo de petição. No Tribunal Regional do Trabalho, cabe contra despacho de seu presidente que indeferiu a interposição ou seguimento de recurso de revista. Já no Tribunal Superior do Trabalho, para recebimento do recurso extraordinário. Conforme a alínea b do art. 897, da CLT, é possível afirmar ser cabível o agravo de instrumento para impugnar decisão de qualquer recurso, seja ordinário, agravo de petição, de revista, extraordinário, ou qualquer outro. Da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho extrai-se que:
o agravo de instrumento é um recurso cuja finalidade é desconstituir os fundamentos do despacho denegatório do seguimento do recurso obstado. Inexistindo qualquer impugnação a respeito dos fundamentos do despacho denegatório, o agravo encontra-se desfundamentado, não alcançando o seu objetivo, nos moldes dos dispositivos do art. 897, alínea b, da CLT. 17
TST, AI-RR 190.488/95.9, José Zito Calasãs, AC. 3ª Turma. 6.703/95, in site TST.
Acerca dos pressupostos do agravo na Justiça do Trabalho, diz Amauri Mascaro Nascimento que
Como o juiz aprecia os pressupostos do recurso e pode indeferir o processamento do recurso e pode indeferir o processamento se os entender descumpridos, impedindo, assim, o normal andamento do processo na via recursal, é preciso garantir às partes, um meio impugnatório contra o despacho que nega seguimento. Portanto, quando um recurso não é processado, o meio de fazer com que continue sua tramitação é o agravo de instrumento (CLT, art. 897, b). (...) É sabido que o juiz, ao despachar recurso, examina os seus pressupostos, verificando se as custas foram pagas, se há depósito prévio, se foi observado o prazo e se o recorrente está legitimado. Se o juiz indefere o processamento do recurso por falta de um desses requisitos ou por qualquer outra razão, o interessado pode ingressar com o agravo de instrumento, que se destina a provocar o Tribunal que o apreciaria caso tivesse sido processado.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 511.
. Curso de Direito Processual do Trabalho

18
Neste sentido, cabe transcrever decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região
Diferentemente do Processo Civil, no âmbito trabalhista o agravo de instrumento, é cabível unicamente contra despacho denegatório de admissibilidade recursal (CLT, Artigo 897, “b”). Dessa forma, se utilizado com o objetivo de impugnar despacho que determina realização de perícia grafotécnica, não pode ser conhecido, pois incabível. 19
AI 0058.90, Oswaldo Florêncio Neme, publicação: JG: 03.07.90 PB: 22.08.90.

Com a reforma provocada pela Lei 9.139, de 30 de novembro de 1995, algumas disposições acerca do agravo foral alteradas, assim como alguns dispositivos aplicáveis subsidiariamente ao processo trabalhista, alteração essa que foi suprida pela Instrução Normativa nº. 6/96 do Tribunal Superior do Trabalho, que passou a dispor todos os aspectos do agravo de instrumento na Justiça do Trabalho.
A ressalva da reforma supra citada é com relação ao agravo retido, tendo em vista que essa modalidade é a regra a ser utilizada para impugnar as decisões interlocutórias na esfera civil. Conforme já analisado, por vigorar o princípio da irrecorribilidade dessas decisões, o processo trabalhista repele a adoção do agravo retido. No entanto, a prática processual acabou consagrando uma “forma diferenciada do agravo”, que se apresenta na forma de protestos.
Conclui-se, sem dificuldade, que as hipóteses de cabimento do agravo no Direito do Trabalho são menos numerosas que no Processo Civil. Assim, embora os agravos em ambos os ramos do Direito apresentem a mesma denominação, diferem-se em seu cabimento e abrangência.
Enfim, Em decorrência da retirada da possibilidade do particular fazer justiça com as próprias mãos, foi dado pelo Estado o direito de acionar o Poder Judiciário para resolver os conflitos. Com o advento da Constituição Federal de 1988, não mais se permite qualquer ofensa à garantia do direito de ação e acesso à justiça. Assim, deve ser tida como inconstitucional qualquer norma jurídica que impeça aquece que se considera titular de uma posição jurídica de vantagem, e que tal posição lesada ou ameaçada, de pleitear junto aos órgãos judiciais a proteção de que se sinta merecedor. Diante disso, o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal consagra o princípio da prestação jurisdicional ao dispor que: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Esse princípio possui estreita relação com o princípio do acesso à justiça. A respeito, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro afirma que
A Constituição Federal estatui a garantia de acesso pleno e irrestrito de todos ao Poder Judiciário, de modo que nenhuma lesão ou ameaça a direito seja subtraída da sua apreciação e solução. Assim, a Carta Magna, ao dispor no art. 5º, XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, garante, de forma ampla e genérica, o acesso à Justiça, isto é, não só o direito de movimentar a máquina judiciária por meio do processo, mas também o de obter a tutela jurisdicional. 20
RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Prestação Jurisdicional Efetiva: uma garantia constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 153.

O referido inciso, XXXV, expressa o “princípio da inafastabilidade da jurisdição” ou “princípio do acesso universal ao Poder Judiciário”.
O legislador, na medida em que veda a edição de leis que proíbam ou dificultem o acesso ao Judiciário, pretende alcançar, também, toda e qualquer restrição que, na prática, dificulte a proteção ao direito do cidadão. O direito de acesso à Justiça não deve se limitar a dizer que todos têm acesso ao poder judiciário, mas sim, que todos têm direito à tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva. 21
PIVA, Otávio. Comentários ao art. 5º da Constituição Federal de 1988 e Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Método, 2009, p. 152.
Conclui-se que as normas não podem ser elaboradas com o objetivo de impedir ou restringir de sobremaneira o acesso à justiça. Vale lembrar o que diz o art. 126 do Código de Processo Civil, in verbis
Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais. Não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.
Luiz Guilherme Marinoni disserta que
Uma leitura mais moderna, como se sabe, faz surgir a idéia de que esta norma constitucional garante não só o direito de ação, mas a possibilidade de um acesso efetivo à justiça, e, assim, um direito à tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva. Não teria cabimento entender, com efeito, que a Constituição da República garante ao cidadão, que sofre uma lesão ou ameaça a direito, apenas e tão somente uma resposta, independentemente de ser ela efetiva e tempestiva. Ora, se o direito de acesso à justiça é um direito fundamental, porque garantidor de todos os demais, não há como se imaginar que a Constituição da República proclama apenas que todos têm o direito a uma mera resposta do juiz. 22
MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 151.

O processo de judicialização acoberta funções que deveriam claramente ser exercidas pelo legislativo e pelo executivo. Antigamente, era dever da sociedade e do Estado zelar pelo cumprimento de determinado direito, hoje, a cultura predominante é aquela que diz: “vá para a justiça buscar os teus direitos”. Isso quer dizer que o Judiciário abandona, aos poucos, o posto de aparato final para resolução dos conflitos, assumindo a função social da mesma forma que outros entes da sociedade.
Nesse diapasão, a Justiça do Trabalho é exemplo primordial. O princípio da proteção materializa-se quando da transferência dos conflitos ao poder judiciário, onde se estabelece a quebra da igualdade entre empregador e trabalhador, esse ultimo reconhecido como parte hipossuficiente da relação. São inúmeras as vezes em que o trabalhador consegue apenas judicialmente seu direito a reajustes salariais ou até mesmo o recebimento de seu próprio salário. Nesse sentido, Fernando de Castro Fontainha fala a respeito
(...) a judicialização é paradigma para a materialização do direito e não o contrário, pois é justamente no seio do Poder Judiciário que o direito se materializa. Ao menos no Brasil, o direito não se materializa na vida sozial, no cotidiano da sociedade, apenas nos tribunais, o que torna o acesso à justiça uma distante quimera. 23
FONTAINHA, Fernando de Castro . Acesso à Justiça: Da Contribuição de Mauro Cappelletti à Realidade Brasileira. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009, p. 15.
A garantia de inafastabilidade de prestação jurisdicional se dirige a todos indistintamente. Sendo uma demanda levada ao Judiciário, deve-se fazer prevalecer certos valores da sociedade, tais como os direitos sociais e individuais, a igualdade e a justiça, afastando todo e qualquer empecilho ao acesso à justiça. A referida garantia deve seguir em busca da melhor condução ao procedimento a fim de se chegar à efetiva solução da demanda. Não basta a garantia do direito de ação processual, mas também, a garantia da pretensão material.
O inciso LXXVIII do art. 5º da CF, inserido pela Emenda nº. 45 de 2004, reafirma a natureza do efetivo acesso à justiça. Nesse inciso, há a previsão de que são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Todos os meios processuais possíveis para garantir a pretensão material devem ser realizados pelo juiz e obstar essa garantia é não garantir o devido acesso à justiça, tornando o ato inconstitucional. Dessa forma, estando a norma processual contrária com a razoabilidade jurisdicional, há um claro desrespeito ao princípio da inafastabilidade do controle judicial.
Para o razoável trâmite processual, não basta o direito à prestação judiciária, é necessário garantir a efetivação dos direitos assegurados, bem como uma tramitação célere, em menos tempo e com menor dispêndio de recursos protelatórios. Todos os meios processuais possíveis para garantir a efetiva pretensão material devem ser resguardados, de forma que vetar essa garantia significa impedir o acesso à justiça, ferindo preceito constitucional. O professor Araken de Assis traz ensinamentos preciosos acerca da relação celeridade e justiça
No entanto, celeridade e justiça nem sempre se conjugam em medidas iguais. Frequentemente, a formulação perfeita da regra jurídica particular, bem como sua efetiva atuação no mundo real, exigem tempo largo para sopesar, medir, ponderar e agir. E menosprezar a rapidez não raro ceifa a própria justiça, porque colhida tardiamente. 24
ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 70.

A necessidade de assegurar a possibilidade de interferência de, pelo menos, dois graus de jurisdição para solução dos conflitos é definida na organização básica do poder judiciário brasileiro. As decisões judiciais não devem impedir o direito de ação, nem ao menos o direito de recorrer, posto que o recurso deve ser encarado como um desdobramento ao direito de ação. Nesse sentido, são valorosas as palavras de Sandro Gilbert Martins
Com efeito, a garantia de ação não apenas proíbe seja negado ou embaraçado o acesso à jurisdição, como obriga o Judiciário a prestar a tutela jurisdicional sempre quando solicitada, abrangendo todos os mecanismos possíveis e necessários, mesmo diante de eventuais lacunas da lei, a proporcionar e ao titular do direito a proteção de que precisa e a que faz jus. (...) É correto dizer, portanto, que, figurando o princípio da inafastabilidade como direito fundamental, o jurisdicionado passa à posição central da prestação jurisdicional, constituindo a verdadeira razão de ser do Poder Judiciário e dos mecanismos processuais. Será, pois, a necessidade do jurisdicionado que deverá nortear a jurisdição a ser prestada.25
MARTINS, Sandro Gilbert. Princípios da Inafastabilidade e a classificação das sentenças. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 579-580.

No intuito de evitar abusos por parte dos juízes, os ordenamentos jurídicos se valem do princípio do duplo grau de jurisdição, princípio esse, que possibilita que as decisões desses magistrados sejam passiveis de revisão.
Nada razoável seria a pretensão de que o juiz fosse um homem sem falhas, capaz de decidir definitivamente, sem que houvesse a possibilidade de questioná-lo em seu julgamento. A real falibilidade do ser humano, somada ao natural descontentamento às decisões desfavoráveis, fundamentam a existência desse princípio. A idéia de recurso, que constitui o instrumento por meio do qual o duplo grau de jurisdição atua na relação processual, está ligada ao inconformismo do ser humano ao se deparar com uma situação contrária a seu interesse. Maurício José Nogueira conceitua o princípio do duplo grau de jurisdição como
(...) a possibilidade de uma decisão judicial ser examinada, no mínimo, por dois órgãos judiciais, estando eles organizados em ordem sucessiva. Assim, a definição de organização básica do Poder Judiciário brasileiro subordina-se, como um dos princípios gerais, à necessidade de assegurar a possibilidade de interferência, de pelo menos, dois graus de jurisdição para solução definitiva dos conflitos. 26
NOGUEIRA, Maurício José . Duplo Grau de Jurisdição: aspectos constitucionais e reflexos processuais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 542-543.
É cediço que esse princípio apresenta dois sentidos. Um é político, ou seja, a possibilidade das partes exercerem controle das decisões judiciais por meio dos recursos. O outro sentido é de controle interno entre os órgãos do Poder Judiciário, em que o superior reexamina as decisões proferidas pelo órgão a quo. Existe certa divergência doutrinária acerca do princípio do duplo grau de jurisdição estar, ou não, disciplinado expressamente na Constituição Federal. Parte do entendimento afirma que se encontra expresso no art. 5º, LV, da Constituição Federal27
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade ao direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes.
. Interpretam a expressão “recursos” contida no referido dispositivo, como o meio de evitar ou reparar lesões aos direitos da parte. Contudo, esse entendimento não é acolhido pela maior parte da doutrina. Ao se posicionar acerca da existência de previsão do princípio em análise, Nelson Nery Júnior assevera
Segundo a Constituição Federal vigente, há previsões para o princípio do duplo grau quando se estabelece que os tribunais do país terão competência para julgar causas originalmente e em grau de recurso. Em o art. 102, II, dizendo que o STF conhecerá, em grau de recurso ordinário e, também, pelo inciso III do mesmo dispositivo constitucional tomará conhecimento, mediante recurso extraordinário, das hipóteses que enumera, evidentemente criou o duplo grau de jurisdição. Ocorre que a Constituição Federal limita o âmbito de abrangência desse princípio, como por exemplo, ao enumerar casos em que cabe o recurso ordinário ou extraordinário, ao dizer que as decisões do Tribunal Superior Eleitoral são irrecorríveis, salvo quando contrariarem a Constituição Federal (art. 121, § 3º), entre outras hipóteses. 28
JÚNIOR, Nelson Nery. Princípios fundamentais - Teoria Geral dos Recursos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 41.

Há quem considere o princípio do duplo grau de jurisdição constitucionalmente expresso por ser o Brasil signatário do Pacto de San José da Costa Rica, tendo em vista que o referido Pacto garante ao cidadão o direito de recorrer, e a própria Constituição, em seu art. 5º, § 2º, estabelece que as normas previstas nos tratados em que a República for parte estarão no nível constitucional e se aplicarão como se estivessem escritos na Constituição.
Contrário se posiciona Luiz Guilherme Marinoni, que entende que o princípio do duplo grau de jurisdição não se encontra expresso ou implícito na Constituição, não se caracterizando como garantia constitucional, portanto
O duplo grau de jurisdição, compreendido como o direito à revisão da decisão proferida pelo juiz que teve, pela primeira vez, contato com a causa, não é garantido constitucionalmente, nem pode ser considerado um princípio fundamental de Justiça. 29
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Antecipatória, Julgamento Antecipado e Execução Imediata da Sentença. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 208.

Pode-se concluir, por esse pensamento, que o duplo grau somente deveria prevalecer em caso de apreciação sobre matéria de direito, já que nessa hipótese ele é fundamental para a uniformização das decisões. No entendimento de Oreste Nestor de Souza Laspro, o duplo grau não é garantido no direito brasileiro a nível constitucional, estando somente regulado a nível ordinário. Conclui, ainda, que a previsão de recursos não significa que todas as decisões possam ser impugnadas por meio deles. 30
LASPRO, Oreste Nestor de Souza. Duplo Grau de Jurisdição no Direito Processual Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 159.

4- Conclusão
No direito processual civil, as decisões interlocutórias podem ser recorríveis via agravo de instrumento ou via agravo retido, no processo laboral predomina a regra de irrecorribilidade das decisões interlocutórias, vale dizer, no direito processual trabalhista as decisões interlocutórias são irrecorríveis e somente poderão ser apreciadas em grau recursal quando houver recurso da decisão definitiva segundo o § 1º do artigo 893 da CLT.31
BEBBER, Júlio César. Recursos no Processo do Trabalho. São Paulo: Ltr, 1999, p. 50.
32
GIGLIO, Wagner D.; CORRÊA, Claudia Giglio Veltri. Direito Processual do Trabalho. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 446.

Como exceção à regra da irrecorribilidade das decisões interlocutórias no processo laboral, foi editada a Súmula 214 do TST que prevê a possibilidade de recurso nos seguintes casos: a) quando for prolatada decisão interlocutória de Tribunal Regional do Trabalho contrária à Súmula ou Orientação Jurisprudencial do TST; b) quando for prolatada decisão suscetível de impugnação mediante recurso para o mesmo Tribunal; c) quando for prolatada decisão que acolha a exceção de incompetência territorial, com a remessa dos autos para o Tribunal Regional distinto daquele a que se vincula o juízo excepcionado, consoante o disposto no § 2º do art. 799 da CLT.
Sergio Pinto Martins33
MARTINS, Sergio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2007 p. 389.
adverte que “Mesmo das decisões de exceção de suspeição ou de incompetência, não caberá recurso, apenas da decisão definitiva, salvo em se tratando de decisão que venha a terminar o feito na Justiça do Trabalho, como a do juiz que se julga incompetente em razão da matéria, em que caberá recurso porque aí se considera definitiva a decisão (§ 2º do art. 799 da CLT).”
De outra banda, indaga-se: as alterações trazidas pela promulgação da Lei n.º 11.187/2005 se aplicam ao processo laboral? A resposta é negativa: as alterações não se aplicam ao processo do trabalho por serem completamente incompatíveis com a sistemática recursal trabalhista. Isto ocorre porque enquanto na Justiça Comum as decisões interlocutórias são atacáveis via agravo (seja de instrumento ou retido); na justiça laboral as decisões interlocutórias, via de regra, são irrecorríveis, sendo poucas as exceções em que podem ser objeto de recurso consoante determina a Súmula 214 do TST. No processo trabalhista, o agravo de instrumento, previsto no artigo 897-B da CLT é interposto, no prazo de oito dias, contra a decisão que negue seguimento a recurso. Relativamente ao agravo retido, também objeto de modificação legislativa pela Lei n.º 11.187/2005, asseveramos que tal recurso inexiste no processo do trabalho. Assim, quando em audiência trabalhista a parte precisar demonstrar inconformidade, aplica-se a regra do art. 795 da CLT. 34
VALLE. Márcio. Ribeiro de. Lei n.º 11.187/2005 - Inaplicação ao Processo do Trabalho. In Justiça do Trabalho n. 267, março 2006, p. 24.
Jorge Luiz Souto Maior, ao examinar a Lei n.º 11.187/2007 e sua aplicabilidade no processo do trabalho, conclui que “o agravo retido, interposto oralmente em audiência, de nada serve ao processo do trabalho” eis que a lei em tela, “na perspectiva do processo do trabalho, mereceria o maior eloqüente silêncio, mas como isto não foi possível, recebe, assim, o mais expressivo desprezo.”35
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Reflexos das alterações do Código de Processo Civil no Processo do Trabalho. Justiça do Trabalho, n. 271, julho 2006, p. 22.
Portanto, “havendo norma trabalhista específica disciplinadora do agravo de instrumento no processo do trabalho e não havendo compatibilidade da Lei n.º 11.187/2005, em suas inovações, com as normas procedimentais trabalhistas, não tem a mesma qualquer aplicação n processo do trabalho.”36
VALLE. Márcio. Ribeiro de. Lei n.º 11.187/2005 - Inaplicação ao Processo do Trabalho. In Justiça do Trabalho n. 267, março 2006, p. 23.

De outra banda, vale referir que o art. 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal, acrescentado pela Emenda nº. 45 de 8 de dezembro de 2004, assegura a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, em contrapartida, todos os meios possíveis para proteger a pretensão material devem ser resguardados, do contrário, significa não garantir o pleno acesso à justiça, previsto no inciso XXXV do mesmo artigo.
Diante disso, concluímos que o princípio da irrecorribilidade das decisões interlocutórias do processo trabalhista, pelo ponto de vista constitucional, fere a garantia fundamental de apreciação do poder judiciário nas causas onde há lesão ou grave ameaça a direito. E mais: o princípio da irrecorribilidade das decisões interlocutórias laborais rechaça a garantia constitucional de acesso à justiça.
No direito laboral, quando a parte se depara com uma decisão interlocutória que entende ser injusta, pode se utilizar do protesto anti preclusivo. Destarte, este somente será examinado no recurso final (recurso ordinário). Logo, a demora para apreciar a questão incidente pode causar um prejuízo irreparável à parte. Nesse diapasão, entendemos que a garantia constitucional de inafastabilidade da prestação jurisdicional, esculpida no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal é visivelmente afrontada pela sistemática trabalhista que, em nome da celeridade e da economia processual, acaba por, não raras vezes, trazer lesão ou prejuízos à parte.

Fonte:  http://online.sintese.com.

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