Por Fellipe Puiati
De forma geral, o conceito de pessoa jurídica
caracteriza-a como ente incorpóreo que, assim como a pessoa física, pode ser
detentor de direitos. Dessa forma, é incorreto confundir as pessoas jurídicas
com as pessoas físicas que propiciam seu nascimento. Ocorre, na verdade, o
contrário, à medida que há um distanciamento das mesmas. Essas pessoas
jurídicas, assim que constituídas adquirem patrimônio autônomo e capacidade
para exercer direitos em nome próprio. É por esse motivo que as pessoas
jurídicas possuem, assim como as pessoas físicas, nome particular, domicílio e
nacionalidade. Além disso, são aptas a estar em juízo, seja no pólo ativo como
no pólo passivo, sem envolver de forma direta as pessoas que as constituíram.
As pessoas jurídicas têm vida autônoma e, em
muitos casos, até mesmo a alteração das pessoas físicas responsáveis por sua
constituição não irá repercutir em mudanças em seu organismo. Isso dependerá do
que for pactuado pelos sócios, como por exemplo, no caso de sociedades
institucionais ou de capitais, que permitem a substituição do sócio ou que eles
mudem de estado, sem alteração da estrutura social.
Vale lembrar, no entanto, que as relações de
que participam uma pessoa jurídica referem-se sempre, em última análise, a
relações entre homens, e, em decorrência disso, trata-se, no caso, de interesses
humanos, mesmo porque por mais autônoma e personificada que seja uma empresa
esta estará representando vontades humanas. No entanto, temos que estar atentos
e não confundir os anseios pessoais dos sócios, com a representatividade de
suas vontades no que diz respeito ao bom andamento da empresa. Uma coisa é a
vida privada de cada sócio, que certamente possui ajuda financeira oriundo do
sucesso da empresa, outra coisa é a empresa em si. Em virtude disto que
existe então a separação patrimonial, a constituição de um patrimônio autônomo,
cujo ativo e passivo não se confundem com os direitos e obrigações dos sócios.
Contudo, se analisada de forma específica, tal separação patrimonial é efetuada
tendo por objetivo a consecução do objeto social que será explicitado no
contrato ou no estatuto das empresas. Muito importante se faz frisar, que essa
separação patrimonial, causa do negócio de sociedade, apesar de sempre ter de
observar determinados pressupostos formais, como por exemplo, o arquivamento
dos atos constitutivos no registro público, ou a pluralidade de sócios, não se
dá de forma idêntica para todos os tipos empresariais. Assim, pode-se observar,
por exemplo, na sociedade anônima mostra-se de forma bem mais acentuada essa
separação, ao passo que nos tipos societários em que uma categoria de sócios ou
todos eles respondem pelas dívidas da sociedade apresentando uma separação mais
atenuada.
O
Código Civil de 1916, em seu artigo 20, dizia que as pessoas jurídicas tinham
existência distinta de seus membros. Uma das principais consequências que
decorrem deste dispositivo é a que considera o patrimônio da sociedade distinto
do dos sócios, o que consagra a autonomia patrimonial.
O patrimônio da sociedade é inicialmente
constituído pela contribuição advinda de cada sócio, conforme o valor que por
eles foi efetuado ou prometido efetuar para a sociedade. A totalidade da
contribuição dos sócios constitui o chamado capital social, elemento básico do
patrimônio da sociedade.
Pois bem, após formado o capital, inicia-se
propriamente a atividade da empresa, a sociedade vai progressivamente
conquistando bens móveis e imóveis, que podem passar por processo de
valorização. Isso possibilita à sociedade destinar parte dos lucros à garantia
de seus negócios. O conjunto formado por todos esses bens é denominado de
patrimônio, este propriedade da pessoa jurídica (sociedade) e não dos sócios, e
é esse patrimônio, que irá responder perante terceiros, pelas obrigações que a
sociedade assumir. Desta forma, enfatizamos novamente, a empresa não responde
por atos pessoais dos seus sócios, e da mesma forma o sócio não poderá
responder (via de regra), pelas obrigações adquiridas pela empresa.
A administração do patrimônio social caberá
aos órgãos da sociedade, que serão seus gerentes e diretores. Durante toda a
existência da sociedade, o patrimônio social pertence unicamente à pessoa
jurídica, e não aos sócios. Estes, por sua vez, possuem somente direitos de
crédito eventual contra a sociedade, dependendo das partes com que contribuíram
para que o capital social fosse formado. Os sócios, no caso de a sociedade
gerar apenas prejuízos e não lucros, acabam não tendo retorno do investimento
que fizeram, dado caráter especial do contrato de sociedade. Nesse sentido
temos o artigo 228 do revogado Código Comercial: “É nula a sociedade ou companhia em que se estipular que a totalidade
dos lucros pertence a um só dos associados, ou a contribuição nas perdas as
somas ou efeitos entrados por um ou mais sócios para o fundo social”.
Houve reafirmação dessa regra com requisito de nº 4 do artigo 302
do Código Comercial revogado pelo atual Código Civil, segundo o qual, do
contrato deveria constar: “4. Designação específica do objeto da sociedade, da
quota com que cada um dos sócios entre para o capital, e da parte que há de ter
nos lucros e nas perdas”.
Cabe lembrar que a referida autonomia patrimonial existente entre
a pessoa jurídica e pessoa física que a constituiu ou que dela faz parte, pode
dar margem à realização de fraudes e abusos, que obviamente ferem gravemente o
Direito e seus princípios norteadores. Tal situação lesiva pode se dar com a
simples transferência de bens de um para outro patrimônio, vindo em consequência
a causar prejuízos aos credores. Além disso, podem ocorrer também, por exemplo,
sofisticadas transações jurídicas mediante algum dos inúmeros expedientes
existentes por aqueles que objetivaram locupletar-se ilicitamente. Tais
práticas desenvolvem-se acobertadas ou sob o véu que envolve os abusos, como a
separação patrimonial, a qual constitui característica da
personalidade outorgada à pessoa jurídica.
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