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quinta-feira, 22 de novembro de 2012

A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E OS CONTRATOS DE TRABALHO IRREGULARES - Gustavo Fontoura Vieira


Gustavo Fontoura Vieira Advogado e Professor de Direito do Trabalho na Universidade da Região da Campanha (URCAMP - São Gabriel/RS)

SUMÁRIO: 1. Introdução ; 2. Legislação ; 3. Teoria da nulidade dos atos jurídicos ; 4. Possibilidade de Contratação sem Concurso ; 4.1 . Requisitos da Contratação Emergencial (art. 3º, Lei 8.745/93) ; 4.2. Prazos da Contratação Emergencial (art. 4º, Lei 8.745/93) ; 4.3. Restrições Legais (art. 9º, Lei 8.745/93) ; 5. Posicionamento dos Tribunais de Contas ; 6. Posicionamento do STF e dos Tribunais Superiores e Regionais ; 7. Fundamentos Jurídicos da Tese Dominante ; 8. Conclusão ; Bibliografia .
1. INTRODUÇÃO

1. INTRODUÇÃO
Este despretensioso estudo visa a analisar a admissão irregular de pessoal no âmbito da administração pública em flagrante agressão aos princípios jurídico-administrativos da legalidade, da finalidade e da moralidade, e suas conseqüências vistas sob o prisma do direito do trabalho.
Tema bastante recorrente nos foros trabalhistas tem sido este da contratação de pessoal sem o imprescindível concurso público pela administração das três esferas governamentais. Alguns por desleixo, outros por interesses escusos, seguem os maus administradores burlando este pré-requisito que se constitui expressão do princípio da igualdade dos administrados perante o Poder Público.
A administração pública é uma das funções essenciais do Estado, voltada para a execução de atividades relacionadas com o interesse público de uma certa coletividade. Neste sentido, sujeita-se a princípios próprios e a regramento específico, não podendo operar além dos limites que esta normatização faculta ou obriga.
Na qualidade de norma mais elevada, diz a Constituição Federal que "a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concursos público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração." (Art. 37, II, CRFB).
A este princípio regente da contratação de pessoal todos os órgãos da administração pública direta e indireta devem submeter-se, adotando o procedimento licitatório próprio, nos termos da lei, que no âmbito federal está regulamentado pela Lei 8.112/90 - Estatuto dos Servidores Públicos Civis Federais. Visou o legislador a obstar o mau hábito político- eleitoreiro de inchar a máquina pública com apaniguados em detrimento da igualdade entre os cidadãos e em prejuízo dos recursos públicos que deveriam ser aplicados em benefício de toda coletividade.
Inobstante a expressa vedação legal, persiste a ocorrência do antigo vício de burlar a lei, de forma que acorrem à Justiça Laboral milhares de reclamatórias buscando reconhecimento do vínculo de emprego decorrente da prestação de serviços à administração pública.
Sobre esta sempre deplorável prática administrativa e suas repercussões jurídico-trabalhistas apontamos, a seguir, algumas observações.
2. LEGISLAÇÃO
- Constituição Federal , art. 37 , II. Admissão por Concurso Público.
- Constituição Federal , art. 114 . Competência da Justiça do Trabalho.
- Código Civil , art. 86 a 113 . Vícios do Consentimento.
- Lei 8.112/90 , art. 11 . Concurso Público na Administração Federal.
- Lei 8.745/93 . Regulamenta Contratação Emergencial por Tempo
Determinado na Administração Federal.
- Lei 7.664/88. Proíbe contratações no período pré-eleitoral.
3. TEORIA DA NULIDADE DO ATO JURÍDICO NO DIREITO DO TRABALHO
No Direito do Trabalho não há princípios ou regras diferenciais do tratamento ou dos efeitos da ocorrência de vícios do consentimento ou da nulidade aplicados no Direito Civil. O art. 8o , § único da CLT , autoriza a importação das regras civilistas para o Direito Substancial do Trabalho. Assim, os vícios do consentimento estão previstos nos artigos 86 a 113 do Código Civil e podem incidir nas relações de trabalho como de resto nas demais relações jurídicas. Por caracterizarem nulidade relativa, dependem do interesse do prejudicado em alegá-los, pois convalescem.
Já a nulidade absoluta diz respeito aos pressupostos de constituição do ato (sujeito capaz, objeto lícito, forma não defesa em lei), e caracteriza-se pela invalidação "in totum" do ato porque atinge interesse público, indisponível. É incorrigível, e na teoria geral do Direito Civil, não produz efeitos, senão excepcionalmente (nulidade do casamento entre irmãos, mantém efeitos quanto aos filhos advindos desta relação matrimonial nula), conforme art. 14 , Lei 6.515/77 comentado pelo eminente Sílvio Rodrigues, in Direito Civil, pág. 114. É exatamente nestes termos que se constitui a regra da preservação de efeitos do ato nulo no Direito do Trabalho.
Em tema de contratação espúria de pessoal pelo Poder Público a relação de trabalho que se estabelece tem a marca da nulidade porque infringe forma "ad substantiam" do ato: o concurso público. Inexiste o ato como instrumento de admissão no serviço público. É nulo de pleno direito. Os efeitos desta nulidade são ex-tunc para descaracterizar a aparência de liceidade que assumiu enquanto vigente. Assim, o contrato formalizado sem observância do art. 37, II da CRFB está fulminado de nulidade desde a origem, não podendo ser convalidado.
Reconhecida a nulidade, porém, não se pode desconhecer os efeitos irreversíveis da relação existente. Esta a peculiaridade observada pelo insigne mestre Pontes de Miranda ao comentar o princípio da irreversibilidade das prestações no Direito do Trabalho: uma vez adimplida a obrigação não podem mais as partes retornar ao "status quo ante", pois o empregado vê-se impedido de restituir os salários dado à natureza alimentar que os caracteriza, e o empregador, por sua vez fica impossibilitado de restituir ao trabalhador a força despendida na execução do trabalho contratado. Portanto, a relação de trabalho preserva efeitos do ato posto que nulo.
Também na doutrina trabalhista encontra-se razão para manutenção dos efeitos do ato nulo, com fundamento no mega-princípio da tutela que informa e particulariza o Direito do Trabalho. Américo Plá Rodrigues, ilustre jurista uruguaio, autor da mais festejada obra sobre os princípios do Direito do Trabalho, leciona: "O trabalhador em sua atividade despende determinada energia que por seu caráter de sucessividade não se pode destruir, nem anular, nem reparar. Atribuir à nulidade efeitos retroativos seria beneficiar o empregador, que poderia reter o salário devido e até exigir os salários pagos; o direito do trabalho tende essencialmente a proteger o trabalhador. As normas nele contidas, assim como as sanções que as garantem, foram estabelecidas para beneficiar o trabalhador. Se pelo não cumprimento de algum item essencial o contrato for nulo, isso não pode resultar em prejuízo do trabalhador; o salário do trabalhador tem função alimentícia, geralmente. Privá-lo dele significa colocar o trabalhador e sua família em situação de miséria que a lei não pode tolerar nem muito menos impor." (Grifamos). Curso de Direito do Trabalho, LTr, página 23.
Esta clara lição demonstra que a nulidade do contrato de trabalho não impede produção de efeitos, tendo em vista a natureza dos direitos que encerra. Exemplo acessível é da contratação de trabalho de menor de 12 anos. O objeto é ilícito, pois há expressa vedação legal - art. 7o, XXXIII da CF , mas preservam-se todos os direitos da relação de emprego, inclusive indenização legal, porque seria desarrazoado pretender que uma norma jurídica tuitiva do trabalhador respaldasse a ilegalidade do ato patronal mediante a extinção integral "ex tunc" dos efeitos do ato nulo.
Da mesma maneira, embora irregular a contratação com o poder público, subsistem efeitos próprios da relação de trabalho, à qual o Direito do Trabalho empresta guarida para garantir direitos decorrentes da contratualidade. O melhor fundamento está num dos postulados basilares do Estado Democrático Brasileiro: o respeito ao valor social do trabalho (art. 1o, IV da Constituição Federal ).
4. POSSIBILIDADE DE CONTRATAÇÃO SEM CONCURSO
Encontra-se no Direito Administrativo duas espécies de contratação de recursos humanos que prescindem de concurso público. Uma delas é a de provimento para cargos em comissão, destinados ao exercício temporário por pessoa da confiança da autoridade competente. Exatamente por estar adstrita ao superior hierárquico por uma relação de confiança, caracteriza-se pela possível exoneração "ad nutum", sem prévio aviso, ou indenização.
A outra exceção ao princípio da imprescindibilidade de concurso foi estabelecida no inciso IX do art. 37 da CF/88 :
"a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;".
A Lei 8.745/93 veio regulamentar este dispositivo da Magna Carta, esclarecendo o que deve ser entendido por "necessidade temporária de excepcional interesse público".
"I - assistência a situações de calamidade pública;
II - combate a surtos endêmicos;
III - realização de recenseamentos;
IV - admissão de professor substituto e professor visitante;
V - admissão de professor e pesquisador estrangeiro;
VI - atividades especiais nas organizações das Forças Armadas para atender à área industrial ou a encargos temporários de obras e serviços de engenharia." (Art. 2º, Lei 8.745/93 ).
4.1 . Requisitos da Contratação Emergencial (art. 3º, Lei 8.745/93 ):
- Processo seletivo simplificado
- Ampla divulgação
- Divulgação no diário Oficial
4.2. Prazos da Contratação Emergencial (art. 4o, Lei 8.745/93 ):
- Assistência a situações de calamidade pública - 6 meses;
- Realização de recenseamentos: 12 meses;
- Admissão de Professor Substituto e Professor Visitante; 12 meses;
- Admissão de Professor e Pesquisador Estrangeiro: até 4 anos;
- Atividades especiais nas organizações das Forças Armadas: até 4 anos.
4.3. Restrições Legais (art. 9º, Lei 8.745/93 ):
- Contratações dependem de haver dotação específica no Ministério Supervisor;
- Atribuições e funções somente as constantes no contrato;
- Vedada nomeação ou indicação para cargo em comissão ou função de confiança, ainda que em substituição;
- Não podem ser recontratados, exceto hipótese de assistência a situações de calamidade pública;
- Vedada expressamente a efetivação no cargo. Efetivação no art. 3º, § 2º, diz respeito à forma de contratação de Professor ou Pesquisador estrangeiro.
Bastante oportuna a lição do eminente Professor Celso Antônio Bandeira de Mello sobre o tema: "Com efeito, tal contratação, como se depreende da linguagem do art. 37, IX, visa a atender a eventualidades, a situações imprevistas, emergenciais, que devem ser socorridas de imediato, de modo que, (...), a Administração, para acudir a isto, tem que suprir-se de servidores sem delongas, independentemente de concurso(...). Como seria possível fazê-lo se não se sabe que cargos seriam necessários e em que quantidade o seriam, posto que é impossível advinhar a compostura, extensão, intensidade e duração destes eventos cujo excepcional interesse público demandaria contratação temporária?" (Curso de Direito Administrativo, Melhoramentos, pág. 144).
Portanto, fora destas hipóteses exaustivas de que trata a multicitada Lei nº 8.745/93 , é indispensável o procedimento licitatório adequado à contratação de pessoal. O cumprimento rigoroso desta norma jurídica possibilita evitar que se abram as portas da administração pública, indiscriminadamente, contra a teleologia do art. 37 da Constituição Federal , criando castas de servidores privilegiados pela incúria de agentes no exercício de cargos públicos.
5. POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS
É atribuição constitucional dos Tribunais de Contas fiscalizar a atuação administrativa dos Poderes da República em âmbito federal, estadual e municipal. Em relação ao Poder Executivo fiscalizar os órgãos componentes da administração direta e indireta (art. 71, II, CRFB).
Estão, portanto, sob a fiscalização do Tribunal de Contas da União as empresas públicas, as sociedades de economia mista, as fundações públicas, as autarquias. Especificamente quanto à forma de admissão de pessoal também estas instituições vinculam-se ao requisito inafastável do Concurso de Provas ou de Provas e Títulos a que se refere o art. 37 , II da Constituição Federal .
Reiteradamente têm-se manifestado o TCU e os Tribunais de Contas dos Estados sobre as freqüentes irregularidades cometidas no seio da administração pública, notadamente quanto à admissão de servidores malferindo o dispositivo constitucional multicitado e os princípios basilares da legalidade, moralidade e publicidade dos atos administrativos.
Urge que os juízes comuniquem aos Tribunais de Contas os atos espúrios praticados por administradores incautos ou corruptos no comando da administração pública.
6. POSICIONAMENTO DO STF E DOS TRIBUNAIS SUPERIORES E REGIONAIS
Sob a ótica da Suprema Corte encontra-se a mais efetiva repulsa às contratações sem o devido concurso público, como demonstra acórdão da lavra do Ministro Paulo Brossard de 03.12.92:
"Enquanto o texto anterior exigia concurso público para os funcionários públicos, o atual exige não só para os cargos mas também para os empregos públicos, tanto da administração direta, como da indireta e fundacional. O art. 37 no seu primeiro inciso, estabelece acessibilidade de todos os brasileiros "a cargos e empregos públicos", para nos seus incisos seguintes, condicionar a investidura nesses à prévia aprovação em concurso de provas ou de provas e títulos.
A Constituição é clara em exigir o concurso público para empregados públicos da administração indireta. Assim, parece-me que a questão se circunscreve ao alcance que se der à expressão "administração indireta".
"Tanto podem as forças da inércia que, passado mais de meio século, ainda hoje se resiste à observância da lei constitucional em matéria formal e cristalinamente regulada desde 1934." (grifamos). (Ac. TP 03.12.92, Proc. STF. MS - 21322-1DF).
A postura do Tribunal Superior do Trabalho e dos Regionais, salvo exceções, não tem sido diversa:
"Contrato Nulo - Efeitos - Devido apenas o equivalente aos salários dos dias trabalhados. A contratação de servidor público, após a CF/88 , sem prévia aprovação em concurso público encontra óbice no art. 37 , II da CF/88 , sendo nula de pleno direito, não gerando nenhum efeito trabalhista, salvo quanto ao pagamento do equivalente aos salários dos dias efetivamente trabalhados."(Precedente Jurisprudencial nº 85 da Seção de Dissídios Individuais - SDI/TST).
"Contrato de trabalho com infringência do inciso II, art. 37 , da CF , isto é, sem realização prévia de concurso público, é nulo mas produz efeitos enquanto vige entre as partes, pois é impossível retroagir a prestação de serviços. O órgão infrator que se beneficiou com o trabalho deverá arcar com os efeitos da contratação ilícita, fazendo jus o reclamante aos equivalentes aos títulos pleiteados, porém, como indenização". (TRT/SP, 25.938/94, Braz José Mollica, Ac. 7ª T. 251/96).
"Contrato de Trabalho firmado com pessoa jurídica de direito público interno - Admissão independente de prévia aprovação em concurso público (art. 37 , II da Constituição da República ) é nula, gerando direito somente ao percebimento de salários correspondentes aos serviços prestados. São indevidas quaisquer parcelas de natureza rescisória, que devem ser excluídas da condenação (TST, RR 163.051/95.1, Almir Pazzianotto Pinto, Ac. 4ª T. 1.524/96).
"Veda o art. 37, II da Carta Magna a investidura em cargo ou emprego público sem a aprovação prévia em concurso público realizado pela administração pública direta, indireta ou fundacional. Inviável, portanto, o reconhecimento do liame empregatício sem a satisfação do requisito constitucional."(TST, RR 140.385/94.1, Armando de Brito, Ac. 5ª T. 7.562/95).
"Servidor Municipal. Ausência de concurso público. A investidora das reclamantes sem a observância do contido no art. 37, II, Constitucional, padece de nulidade, gerando para as obreiras, segundo a jurisprudência reiterada, tão-somente o direito à percepção do salário correspondente à prestação efetiva do serviço."(TST, RR 178.574/95.9, Antonio Maria Thaumaturgo Cortizo, Ac. 5ª T. 2.160/96).
"Ante a irregularidade o Poder Judiciário não pode referendar ato espúrio que concede vínculo empregatício a servidor sem a observância do art. 37 , II da Constituição Federal . "(TRT 2a Reg. AC. 5ª T 6.435/96-0, Francisco Antonio de Oliveira).
"O contrato realidade não pode se sobrepor à ordem constitucional consubstanciada na exigência de concurso público. Art. 37 , II da Constituição Federal ."(TST, RR., José Carlos da Fonseca, Ac. 4ª T. 3.134/92).
"Não obstante seja nulo o contrato de trabalho entre as partes (art. 37, § 2o da CF/88 ), é inaceitável a não ocorrência de retribuição pelo trabalho prestado, hipótese que desmoralizaria toda a filosofia inspiradora da nova Constituição. "(TST, RR 51.821/93, Antonio Maria Thaumaturgo Cortizo, Ac. 5ª T. 2.180/93).
Como se pode verificar, em relação aos efeitos da rescisão do vínculo ilegal existente com a administração pública tem-se dividido a jurisprudência em três correntes:
a) Reconhecimento de vínculo empregatício até o despedimento, regido pela CLT , com assinatura da CTPS e pagamento de todos os direitos resilitórios do despedimento sem justa causa na relação de emprego (saldo de salários, férias, décimo-terceiro, depósitos do FGTS, Indenização de 40% do FGTS, aviso prévio, etc.), com efeitos ex-nunc;
b) Nulidade absoluta da relação de emprego havida, sem direito a indenização de qualquer espécie, diante da afronta ao princípio constitucional do art. 37 , II, CF/88 , que exige forma essencial à validade do ato. Sobrepõe-se interesse de toda a coletividade ao sacrifício de particulares. Efeitos ex-tunc;
c) Reconhecimento da relação fática de trabalho, prestados os serviços ao abrigo dos princípios reitores do Direito do Trabalho. A relação de emprego torna-se impossível pelo descumprimento do requisito constitucional de prévio concurso público. Da nulidade da contratação não pode resultar prejuízos para o trabalhador, sob o argumento de que há nulidade absoluta, negando-se-lhe os créditos devidos. São devidos alguns direitos trabalhistas a título indenizatório (exceto registro na CTPS e multa por despedida imotivada). Este o entendimento jurisprudencial ao qual nos filiamos.
Vale ressaltar, este último posicionamento diverge parcialmente do precedente normativo no 85 da Seção de Dissídios Individuais do TST, suso mencionado, que nega direito a quaisquer verbas além do estrito salário dos dias trabalhados. Esta postura da SDI tem por conseqüência o não conhecimento de Recurso de Revista ou Embargos no TST contra decisão amparada por jurisprudência reiterada da Colenda Corte Superior Trabalhista (Enunciado 333). A par desta demonstração de uniformidade nos julgamento do tema em sede superior, acreditamos que em breve a edição de novo Enunciado procurará, embora sem efeito vinculante - para gajo dos que defendem o Judiciário como agente da evolução do direito, pacificar as controvérsias que tivemos ocasião de relatar acima.
7. FUNDAMENTOS JURÍDICOS DA TESE DOMINANTE
A tese da nulidade absoluta, encampada em defesa pela administração, não se coaduna com o princípio da proteção ao hipossuficiente e pretende dividir com o trabalhador o ônus da fraude, da irregularidade. É lição de Direito Administrativo que o Poder Público tem o dever de indenizar o prejuízo causado ao particular quando lhe é ofendido algum direito, mesmo que em benefício dos demais administrados (a desapropriação, por exemplo). O fundamento deste dever é o princípio da solidariedade social. Por ele se considera justo que todos os contribuintes, por intermédio da administração, ressarçam o prejuízo causado, porquanto inadmissível que a precedência de interesse coletivo implique ônus sem a devida reparação ao particular.
Se acontece assim nas relações da administração pública por força da atividade que exerce direta ou indiretamente na comunidade (art. 37, § 6o, CF ), como aceitar que o trabalhador - artífice das obras e serviços públicos -, receba tratamento diverso, de molde a assumir os ônus de sua contratação irregular?
Além deste aspecto de direito administrativo, opinião autorizada de José Augusto Rodrigues Pinto, ilustre jurista baiano, vê na tese da nulidade defendida pela administração sério erro de perspectiva:
"A norma em causa (art. 37, § 2o, CF ) apenas mandou declarar a nulidade, mas não estabeleceu, de modo taxativo, os efeitos da declaração, o que, aliás, não ocorre com nenhuma outra regra legal respeitante à nulidade, a exemplo do art. 9o da própria CLT . De fato, a cominação da lei é uma coisa. Os efeitos da cominação, outra. Esses efeitos não se regulam em direito positivo, senão na doutrina, mediante os parâmetros da teoria geral das nulidades".
E conclui,
"A inadaptação dos parâmetros da teoria implicará, sem dúvida, encampar a Administração Pública a política da exploração da força de trabalho humana sem nenhuma retribuição, fugindo ao princípio da moralidade administrativa que presidiu a implantação do art. 37 e seu § 2o da CF , e terminando por negar o alimento do trabalhador, único fruto do seu trabalho. "(grifamos) (in Revista LTr, Maio/96).
8. CONCLUSÃO
"A legalidade administrativa sinaliza, para os cidadãos, a probidade, a moralidade, a impessoalidade com que o agente político, livremente escolhido pelo povo, conduz a administração pública, de forma que se desejamos uma Nação soberana, com progresso e, sobretudo, com valorização da cidadania, é imprescindível que iniciemos por respeitar seu ordenamento jurídico e, em especial, sua norma maior que lhe dá todo o suporte, ou seja, a Constituição. Imprescindível que o administrador público, e em especial os entes políticos, v.g. Prefeitos, Governadores, Presidente, desempenhem as funções que lhes são inerentes dentro de absoluto respeito aos limites traçados pelas leis do país, mormente a Lei Maior, de forma a que seus atos, e porque não dizer, seus exemplos, retratem, para toda a coletividade sua fiel submissão aos princípios supramencionados." (Juiz Milton de Moura França, TRT 15ª Reg. RO 12.080/93.3 - Ac. 7435/95, 05.06.95).
Este irretocável comentário conduz-nos às seguintes conclusões:
a) Sob pena de malferir a Constituição Federal em seu artigo 37, inciso II, impossível o reconhecimento de vínculo empregatício com a administração pública sem o prévio indispensável concurso público;
b) A tese da irreversibilidade das prestações no direito do trabalho aponta para a manutenção de efeitos decorrentes da relação de trabalho ainda que erigida sob lastro de 7 ilicitude. Por isso devidos direitos próprios da relação de emprego, a título indenizatório, com exceção do registro na CTPS e da multa de 40% incidente sobre os depósitos do FGTS;
c) Admitir a nulidade absoluta e afastar efeitos da relação de trabalho é permitir que a administração se beneficie da própria fraude (enriquecimento sem causa), imputando ao trabalhador ônus dos atos ilegais perpetrados pelos agentes públicos na gestão de interesses personalistas e espúrios;
d) O Precedente no 85 da SDI ao determinar pagamento exclusivamente dos valores relativos a salário dos dias trabalhados, data vênia, ao tempo em que chancela a sonegação de direitos trabalhistas historicamente assegurados na lei, conforta o procedimento ilícito dos maus administradores, pois se responsabilizados forem, terão por conta deste entendimento, menores encargos diante do tesouro estatal. Compromete-se o verbete em impedir subida de ações ao TST e não com a efetiva e madura pacificação jurisprudencial.
e) A decisão judicial deve sempre determinar comunicação ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas (do Município, do Estado ou da União), no sentido de proceder apuração de responsabilidade do agente público nos termos do art. 37, § 2o da Magna Carta.
BIBLIOGRAFIA
- Constituição da República Federativa do Brasil , Editora Saraiva.
- Consolidação das Leis do Trabalho , CLT - LTr, Edição Escolar, 22ª edição, 1997.
- Código Civil , Editora Revista dos Tribunais.
- PLÁ RODRIGUES, Américo. Princípios de Direito do Trabalho, Editora LTr.
- PLÁ RODRIGUES, Américo. Curso de Direito do Trabalho. Editora. LTr.
- GENRO, Tarso Fernando. Direito Individual do Trabalho, 14 edição, Editora LTr.
- SÜSSEKIND, Arnaldo, Délio Maranhão e Segadas Viana. Instituições de Direito do Trabalho, 14ª edição, Editora LTr.
- RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Volume 6, Direito de Família. Editora Saraiva.
- MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 6ª edição. Editora Melhoramentos.
- MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 18ª edição. Editora Melhoramentos.
- RIGOLIN, Ivan Barbosa. Comentários ao Regime Jurídico Único do Serv. Públicos Federais. Editora Saraiva.
- ROMITA, Arion Sayão. Regime Jurídico Único dos Serv. Públicos Civis. Editora LTr.



Fonte:
http://online.sintese.com

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